O Tribunal de Contas da União (TCU) mudou seu entendimento sobre o recebimento de presentes de luxo por presidentes da República.
Em uma decisão tomada nesta quarta-feira, 7, o TCU determinou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não precisará devolver o relógio Cartier avaliado em R$ 60 mil, presente que recebeu em seu primeiro mandato durante uma viagem à França. A decisão foi baseada na conclusão de que não há legislação específica para presentes de natureza personalíssima e de elevado valor comercial.
Esse novo posicionamento do tribunal beneficia a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que enfrenta acusações de desvio de joias e relógios de luxo da Presidência da República, avaliados em R$ 6,8 milhões. Segundo a Polícia Federal, esses itens foram vendidos e o dinheiro convertido em espécie, entrando no patrimônio pessoal de Bolsonaro através de intermediários. Ele está sendo investigado por associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.
Durante a sessão, oito ministros participaram da votação. A tese vencedora, redigida pelo ministro Jorge Oliveira (indicado ao TCU por Bolsonaro), foi apoiada por Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo.
Dois ministros apresentaram votos divergentes. O relator, ministro Antonio Anastasia, seguiu a área técnica do tribunal, que indicou que Lula não deveria devolver o relógio devido ao tempo passado desde o recebimento do bem (2005), o que poderia causar “insegurança jurídica”. Anastasia foi acompanhado pelo ministro-substituto Marcos Bemquerer Costa.
Por outro lado, o ministro Walton Alencar defendeu a devolução do relógio Cartier e de quaisquer outros itens luxuosos, mas foi o único a adotar essa posição. Abaixo está um resumo dos votos:
- Jorge Oliveira e outros 4 ministros: Não há legislação específica sobre presentes de natureza personalíssima, apesar do entendimento anterior do TCU em 2016. Embora seja necessário respeitar o princípio da moralidade, a tese atual favorece tanto Lula quanto Bolsonaro.
- Antonio Anastasia e um outro ministro: Em 2016, o TCU determinou que presentes de alto valor comercial, mesmo personalíssimos, deveriam ser devolvidos à União. No entanto, esse entendimento não se aplica ao caso de Lula devido ao longo período desde o recebimento do relógio.
- Walton Alencar: A decisão de 2016, baseada na Constituição e no princípio da moralidade, estabelece que todos os presidentes devem devolver itens luxuosos. Portanto, tanto Lula quanto Bolsonaro deveriam devolver tais bens.
Em 2016, o TCU realizou uma auditoria semelhante sobre Lula e determinou a devolução de mais de 500 presentes incorporados ao patrimônio privado do presidente. No entanto, o relógio Cartier não foi mencionado e, portanto, não foi devolvido. Na época, a Corte decidiu que apenas itens de caráter personalíssimo (como medalhas) ou de consumo próprio (roupas, perfumes, alimentos) poderiam permanecer com os presidentes.
A nova tese de Jorge Oliveira, que substitui a decisão anterior, permite que a defesa de Bolsonaro argumente a favor da não devolução de presentes similares. Oliveira destacou a ausência de uma norma específica sobre “bens de natureza personalíssima” e “elevado valor de mercado”, e argumentou que não há uma base legal clara para classificar presentes recebidos por presidentes como bens públicos.
Walton Alencar criticou a ausência de uma menção expressa na legislação sobre presentes personalíssimos e defendeu a devolução dos bens luxuosos com base na moralidade e na transparência. Ele destacou que a Constituição e o princípio da moralidade permanecem os mesmos.
Além do relógio Cartier, Walton Alencar também pediu a devolução de um relógio Piaget de R$ 80 mil, cuja existência foi revelada em 2022. Lula, no entanto, afirmou que o Piaget não foi um presente recebido durante seus mandatos. A afirmação da assessoria contradiz informações anteriores que sugeriam que Lula havia recebido o relógio enquanto era presidente, o que teria exigido sua declaração no sistema da Presidência.